Psicanálise é coisa para gente doida?
- adalbertodantaspsicólogo
- 27 de mar. de 2024
- 3 min de leitura
Coisa de gente doida (parte 1 da série)
Por que a psicoterapia ainda é vista com preconceito por muitas pessoas? Começo hoje por aqui uma série de postagens sobre este assunto tão rodeado de tabus, estigmas e, principalmente, atravessado por um fenômeno que há séculos interessa ao mundo psi: a loucura.
“Psicólogo é coisa de gente doida”, “é frescura”, “é dinheiro jogado fora”... Imagino que você já deve ter experienciado pontos de vista assim a respeito da psicoterapia.
Frases como essa ainda são muito comuns em nosso dia a dia ao olhar para o sofrimento psíquico, mesmo após a saúde mental ter se tornado um dos maiores focos de atenção nos últimos anos, face ao desafio global enfrentado pela humanidade com a pandemia da Covid-19.
Por que um tratamento reconhecido cientificamente, para muitos, é visto como algo que só pode ser procurado por aqueles com “problemas sérios” ou pelos “considerados loucos”? Por que razão a psicoterapia ainda é vista com preconceito? Ou mesmo como luxo?
Isso nos remonta ao minucioso trabalho de investigação do filósofo Michel Foucault sobre a loucura e seu percurso histórico.
Em sua obra "História da Loucura na Idade Clássica”, Foucault faz um passeio pelas múltiplas formas que a loucura foi interpretada ao longo dos tempos. Na Idade Média, os “loucos” eram aqueles tidos como bruxos e bruxas dotados de conhecimentos especiais e por isso estavam ligados a forças ocultas, místicas e sobrenaturais, até mesmo conectados com o Diabo. Eram, por isso, ora respeitados, temidos, ora execrados.
Com a chegada da Idade Moderna e o ápice do racionalismo, a loucura passou a ser vista como um estado de ser desviante da razão, da lógica, portanto, uma disfunção do organismo.
A loucura passou a ser vista, pelo olhar da medicina, como uma doença mental, sendo, inclusive, institucionalizada com a criação dos primeiros hospitais psiquiátricos no século XVII, marcando o início de uma longa era de confinamento e tratamentos desumanos para os pacientes considerados "loucos".
A loucura passou a ser estigmatizada e isolada da sociedade, e as condições dessas instituições eram muitas vezes deploráveis, como a fatídica e triste história do Hospital Colônia de Barbacena, no interior de Minas Gerais, conhecido como o Holocausto Brasileiro, no século passado.
Ainda que tais práticas desumanas não sejam mais institucionalizadas e a série de políticas antimanicomiais pelo mundo representem um considerável avanço na compreensão da saúde mental, o estigma persiste em muitas culturas.
Como nos mostrou Foucault, o sofrimento psíquico, que passou a ser conhecido como “doença mental”, foi associando uma percepção de um parentesco das culpas morais e sociais e, consequentemente, uma ameaça à ordem moral e social.
Constituiu-se, a partir daí, uma série de posturas, olhares e maneiras de encarar o “sofrimento psíquico” ou “doença mental”, passando a nortear as relações sociais.
Ser doente mental, efetivamente destitui o indivíduo de razão, de competências, de capacidade de produção e trabalho, de criação. Ele perde o direito de ser considerado sujeito/humano de capacidades e direito igual aos demais. Por outro lado, os tratamentos sempre estiveram associados a uma intervenção moral e punitivista, com isolamentos sociais e internações em manicômios.
Desta forma, se uma pessoa se reconhece em sofrimento psíquico, com necessidade de tratamento, ela pode temer ser desqualificada socialmente por isso, ser excluída, perder a autonomia e a liberdade de ir e vir ou mesmo perder o direito de cidadania.
E para você? A psicoterapia é “coisa de gente doida”?
Nos próximos posts, vamos seguir investigando como o sofrimento psíquico ainda é visto como sinônimo de loucura e como a loucura passou a se construir como um potente discurso capaz de moldar comportamentos, ditar valores morais e éticos, impondo uma ideia utópica de normalidade.
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